For English, please scroll down to the British flag and Italic text. Thanks! If you haven't subscribed yet, please do so down here:
Roooooommmmmme!
🇧🇷 Há dias me sento na frente do computador para escrever alguma coisa interessante. Olho para a tela, ela olha para mim, e nada. Ao longo do dia penso em histórias para contar. Revejo meu caderninho de notas, onde rabisco ideias, frases colhidas em filmes e exposições e nem assim consigo engatar frases, formar parágrafos.
Se fosse um escritor, poderia escrever sobre a síndrome da página em branco, contar sobre as musas fugidias. Talvez fosse a um bar fumar uma carteira de cigarros e esvaziar uma garrafa de uísque em busca de inspiração. Poderia encontrar alguém com quem trocar opiniões sobre a campanha eleitoral, o aquecimento global ou a inflação. Ao invés disso, acordo, bebo uma xícara de chá, acendo o computador, me sento, posiciono os dedos sobre o teclado e… nada.
Talvez meu cérebro esteja em um momento de auto-limpeza. Reorganização das ligações entre os neurônios, troca do azulejo das paredes do cerebelo e outras coisas afins. Fiz um curso de resenhas para aprender a escrever textos sobre livros e desde então entrei neste bloqueio. É como se após o curso, somente textos geniais pudessem ser escritos. Qualquer assunto comezinho, como meus dias em Bolonha ou meu enamoramento por Nápoles fossem não-assuntos. A peregrinação de Perúgia a Assis, o show de Gilberto Gil e Marisa Monte na Úmbria, o museu etrusco em Roma, o sangue de São Gennaro, nada conta. Só papo-cabeça é que está valendo.
Então decretei férias. Como um bom cidadão italiano, chega agosto e é hora de apertar o botão de pausa. Vou dar pausa para mim e para você. Caso chegue o fim do mês e a inspiração ainda esteja submersa no Mediterrâneo, você pode me despedir.
Um vidro me separa da Inspiração | A glass separates me from Inspiration.
🇬🇧 For many days, I sit in front of the computer and try to write something fun. I look at the screen, it looks at me, and nothing comes out. Throughout the day I think of stories to tell. I review my notebook, where I scribble ideas, phrases taken from films and exhibitions, and even then I can't put together sentences, form paragraphs.
If I were a writer, I could talk about the blank page syndrome, tell about the elusive muses. Maybe I would go to a bar to smoke a pack of cigarettes and empty a bottle of whiskey in search of inspiration. I could find someone to exchange views with on the election campaign, global warming, or inflation. Instead, I wake up, drink a cup of tea, turn on the computer, sit down, place my fingers on the keyboard and…nothing.
Maybe my brain is in a self-cleaning mode. Reorganizing the connections between neurons, changing the tile of the walls of the cerebellum and other such things. I took a course in book reviews to learn how to critique books and since then my brain has been blocked. It is as if after the course, only amazing texts could be written. Any small topic, like my days in Bologna or my love for Naples, were non-issues. The pilgrimage from Perugia to Assisi, the concert by Gilberto Gil and Marisa Monte in Umbria, the Etruscan museum in Rome, the blood of San Gennaro, nothing counts. Only high-brow is worth the page.
So I decreed a vacation. As an abiding Italian citizen, August arrives and it's time to hit the pause button. I'll give you and me a break. If by the end of the month the inspiration is still submerged in the Mediterranean, you can fire me.
For English, please scroll down to the British flag and Italic text. Thanks! If you haven't subscribed yet, please do so down here:
Bandeiras de San Marino | San Marino flags
🇧🇷 Para uma criança que lia o Almanaque Abril antes de dormir, visitar novos países é melhor do que festa. Ainda não estive em todos os membros da União Europeia. Faltam a Eslovênia e o Chipre. À Irlanda, fui em 1995, ou seja, prazo de validade quase vencido. Certos lugares estão na minha lista há anos. Mongólia, Argélia, Moçambique e Costa Rica, por exemplo. Outros são destinos de oportunidade, do tipo "já que vim até aqui, estico acolá". É o caso de San Marino, um dos menores países do mundo, que fica perto de Bolonha, na Itália. Fundado em 301, tem somente 30 mil habitantes e 61km quadrados, ou seja, é 6,75 vezes menor do que Curitiba. A população inteira caberia nos prédios do Bigorrilho.
Países como Andorra, Mônaco, Liechtenstein, Butão e Djibouti me fascinam. Num mundo de grandes e médias nações, algumas superpoderosas, esses pedaços minúsculos do Atlas conseguem manter-se independentes. São organizações políticas completas, têm assento na ONU, embaixadas, idiomas. Em suma, funcionam. Vindo de um país tão grande como o Brasil, me pergunto se não seria mais produtivo administrar territórios menores. Imagino ser mais fácil encontrar consenso entre os 30 mil sanmarinenses do que com os 210 milhões de brasileiros, ou o bilhão de chineses. Mas do jeito que andam as coisas, nem no Vaticano há consenso. Uns querem ir para um lado, outros para outro. No Irã, no Iraque, na Suécia e na Suíça.
No entanto, o que importa não é a extensão territorial de um país, e sim a forma como é governado. Coisas simples como educação, transparência e democracia acabam sendo exceção na maioria. Sorte conta muito. É o caso da Noruega, que tem petróleo e Q.I. para gerenciar os ganhos. Já a Venezuela tentou, mas errou feio. A Rússia é gigantesca e disfuncional. Na América Latina, enquanto todos olhavam para o Chile como modelo, o Uruguai tem se mostrado mais igualitário. A História conta muito. Ex-colônias geralmente não funcionam tão bem quanto as antigas matrizes. Foram-se os colonizadores, ficaram as multinacionais e as feridas. Fórmulas seriam excelentes nestes casos, mas geografia, economia e política não são física ou matemática. Mas chega de minhas elucubrações à la Piketty.
Mas voltando a San Marino, que visitei na semana passada. O centro histórico fica no topo de um morro, onde mesmo em 2022, só é fácil chegar de ônibus ou teleférico. Imagino os sanmarinenses de 301 guerreando contra os romanos lá de cima. Foi só juntar algumas pedras e bons atiradores de arco e flecha. Achei que fosse ficar a tarde toda por lá, mas uma curta caminhada escadas acima, ladeiras abaixo foi o suficiente. Por ser livre de impostos, San Marino atrai turistas ávidos por perfumes, roupas de marca e quinquilharias. Lembra Ciudad del Este, no Paraguai. Logo na entrada do país tem um outlet. No ônibus que peguei na estação de Rimini, éramos uns 100 turistas. Quase uma invasão bárbara. As ruelas do centro histórico foram tomadas por paus de selfie, carrinhos de bebê e grupos escolares. Se cada um de nós dominasse um habitante local, poderíamos ter ocupado o país em algumas horas.
San Marino é uma ilha cercada de Itália por todos os lados | San Marino is an island surrounded by Italy
Nas minhas idas e vindas, sempre acho a Itália e o Brasil muito parecidos. Se olharmos o sistema judiciário, é quase um copia e cola. A política então, melhor nem falar. Trocamos máfia por milícias e pronto, o que acontece aqui na Itália em alguns anos se repete no Brasil. Por isso estou chocado com o podcast que estou escutando sobre a ascensão e queda (e talvez uma nova ascensão) de Silvio Berlusconi. Ele é Trump muito antes de Trump. A combinação Operação Mãos Limpas e a eleição dele para o Congresso foi um prelúdio para o que aconteceu no Brasil com a Lava Jato e Bolsonaro. A fórmula para ganhar (e subverter) funciona!!! O podcast chama-se Bunga Bunga e está disponível em inglês e italiano. Recomendo para quem ainda esteja titubeante com o voto nas eleições brasileiras de outubro.
Chegamos na metade de 2022. Espero que tenha sido bom para você e que a segunda parte seja ainda melhor. Nos vemos por aqui no fim de julho. Enquanto isso, sigo com as minhas explorações italianas.
🇬🇧 For a child who read the National Geographic Almanac before bed, visiting new countries is better than partying. I haven't been to every member of the European Union yet. Slovenia and Cyprus are missing. I went to Ireland in 1995 so memories are almost expired. Certain places have been on my list for years. Mongolia, Algeria, Mozambique and Costa Rica, for example. Others are destinations of opportunity, the kind of "since I've come this far, I'll go there as well". This is the case of San Marino, one of the smallest countries in the world, located near Bologna, Italy. Founded in 301, it has only 30 thousand inhabitants and 61 square kilometers, that is, it is 6.75 times smaller than Curitiba. The entire population would fit in my neighborhood.
Countries like Andorra, Monaco, Liechtenstein, Bhutan and Djibouti fascinate me. In a world of large and medium-sized nations, some of them superpowers, these tiny specks on the map manage to remain independent. They are complete political organizations, they have a seat at the UN, embassies, languages. In short, they function. Coming from a country as large as Brazil, I wonder if it wouldn't be more productive to manage smaller territories. I imagine it is easier to find consensus among the 30,000 people from San Marino than with the 210 million Brazilians, or the billion Chinese. But the way things are going, even in the Vatican there is no consensus. Some want to go one way, others another. In Iran, Iraq, Sweden and Switzerland.
However, what matters is not the territorial extension of a country, but the way it is governed. Simple things like education, transparency and democracy turn out to be the exception for most. Luck counts a lot. This is the case of Norway, which has oil and I.Q. to manage its earnings. Venezuela, on the other hand, tried, but failed badly. Russia is gigantic and dysfunctional. In Latin America, while everyone looked to Chile as a model, Uruguay has shown itself to be more egalitarian. History counts a lot. Former colonies usually don't function as well as the ex-dominating powers. Gone are the colonizers, however the multinationals and the wounds remained. Formulas would be fine in these cases, but geography, economics and politics are not physics or mathematics. But enough of my Piketty musings.
But back to San Marino, which I visited last week. The historic center is on top of a hill, where even in 2022, it is hard to reach even by bus or cable car. I imagine the Sanmarinese of 301 fighting the Romans from above. It was just a matter of gathering some rocks and good archery shooters. I thought I was going to be there all afternoon, but a short walk up the stairs and down the slopes was enough. Being tax-free, San Marino attracts tourists eager for perfumes, designer clothes and trinkets. It reminded me of Ciudad del Este, in Paraguay. Right at the entrance to the country there is an Outlet Mall. On the bus I took from Rimini station, there were about 100 tourists. Almost a barbaric invasion. The narrow alleys of the historic center were taken over by selfie sticks, baby strollers and school groups. If each one of us dominated a local, we could have occupied the country in a few hours.
In my comings and goings, I always find Italy and Brazil very similar. If we look at the justice system, it's almost copy-paste. Better not touch politics. If we exchanged mafia for militias, that's it. What happens here in Italy will happen in Brazil in a few years. That's why I'm shocked by the podcast I'm listening to about the rise and fall (and maybe a new rise) of Silvio Berlusconi. He is Trump long before Trump. The combination of the Clean Hands Operation and his election to Congress was a prelude to what happened in Brazil with Lava Jato and Bolsonaro. The formula to win (and subvert) works perfectly!!! The podcast is called Bunga Bunga and is available in English and Italian. I recommend it to anyone who is still hesitant about the vote in the Brazilian elections next October.
We've reached the half of 2022 already. I hope it was good for you and wish the second part to be even better. See you here at the end of July. In the meantime, I keep with my Italian explorations.
For English, please scroll down to the British flag and Italic text. Thanks! If you haven't subscribed yet, please do so down here:
Kerala | India | January 2018
🇧🇷 Boas vindas à newsletter #12. Uma dúzia. Número estranho, que existe por ser uma das formas mais simples do ser humano agrupar itens soltos em uma unidade maior. Olhe para a tua mão e veja que cada um dos quatro dedos é dividido em três partes (falanges). Com o dedão, você conta cada uma dessas partes até encher a mão. Pronto, formou-se a dúzia. Acho a dúzia muito mais charmosa do que a dezena, toda lógica e metódica, que deve ter sido invenção dos romanos, com seus X, V, C, L etc.
Vivo um duelo entre a dezena e a dúzia. Uma amiga astróloga afirma ser mais um embate entre capricórnio – signo de nascimento –, e aquário, meu ascendente. Carrego traços dos dois, muitas vezes incompatíveis. Na minha cabeça, gostaria de ser uma dúzia aquariana. Isso se traduziria numa casa cheia de livros empilhados, um gato no sofá, velas pingando parafina na mesa e jazz na rádio. Mas abro os olhos e vejo a dezena capricorniana, com minhas camisetas em degradê no armário, livros em ordem alfabética e uma compulsão para deixar a linha do tapete paralela à do sofá.
Gasto energia alinhando os enfeites e compilando planilhas financeiras – números são capricornianos – que na hora de ser criativo, solto e errático, estou cansado. Escutei uma autora canadense falar que “ou se tem a casa arrumada, ou se escreve”. Me nego o prazer de escrever refugiando-me na arrumação. Tentei juntar os dois. Fiz uma planilha somente com palavras interessantes para usar em textos, tipo beliz, ubiquação e pintarroxo. Também abri um arquivo com personagens que crio enquanto lavo a louça. Só que nem as palavras nem os personagens conversam entre si. Não consigo juntar tudo numa sopa interessante. Ficam mais como ingredientes na dispensa, sem data de vencimento.
Fujairah | UAE | January 2020
Um dos personagens da planilha é meu primeiro namorado, um árabe manipulador que conheci na faculdade. Ele me chamou a atenção porque sempre estava pelos cantos com um livro na mão. Lia peças de teatro do romeno Ionesco. Achei instigante. Um dia nos encontramos no bar da vila e bebemos uma cerveja. Quando fui ao banheiro, ele me seguiu. Me deu um susto e um beijo na boca. No dia seguinte tentou suicidar-se. Quando voltou do hospital, assumi o papel de enfermeiro e psicólogo para conquistá-lo. Ele tirava sarro do meu sotaque, me tratava com condescendência, era um pau no cú. Eu estava tão apaixonado que nem notei.
O hospital mandou uma fatura de 300 francos. Ele pediu para eu falsificar o recibo. Num milagre de multiplicação, com um toque datilografado, criei 3000 francos, que ele pediu para o irmão. Com os 2700 francos do golpe, fomos passar um fim de semana em Lucerna. Ficamos num hotel 5 estrelas de frente para o lago porque ele não admitia menos. Ganhei uma camisa da Hermès. Essa camisa foi picotada em várias dúzias de pedaços meses depois, quando acordei e vi que tinha me metido com um golpista do Tinder dos anos 1990. Ao invés de um buraco financeiro, criou-se um buraco emocional.
Esse mesmo personagem fez eu trocar um estágio de um ano nos Estados Unidos por outro de seis meses, para provar que eu gostava dele.Também cobrava atenção, que eu dispensava em cartas diárias, viagens intercontinentais a cada 40 dias e um estado constante de depressão, afinal, não poderia estar feliz longe dele.
Olhando para trás, sinto-me um tolo. Só que não se vive em retrospecto. É o que falo para meu coração, que ficou mais escaldado do que gato em água fria, que chora em filmes românticos, do tipo "Combinação Perfeita". Quando vejo gente apaixonada, me dá uma certa inveja, como na série italiana "Fidelidade" e em "Toscana", tudo na Netflix. Na literatura então, há sinais claros que me avisam que posso abrir a porta novamente, como nos livros “Isso também vai passar”, da Milena Busquets – livro do mês de maio da Amora Livros –, a “A Boa Sorte”, da Rosa Montero e o “Le Jeune Homme”, da Annie Ernaux. Se bem que a Ernaux tem o caso com o cara 30 anos mais jovem para ter material para o livro.
Já que minha autoficção virou recomendações culturais, sigo com: a série “Anatomia de um Escândalo” e o podcast do Ezra Klein entrevistando a poeta Ada Limón (em inglês). Recomendaria mais três livros incríveis, mas são os próximos escolhidos da Amora Livros, por isso não posso revelar ainda (vão nas caixinhas de julho, agosto e setembro). Um que tem para vender na AmoraLoja é o "Esse não é o seu lar", de Natasha Brown, com a história de uma inglesa que se sente estrangeira em seu próprio país. E como junho está chegando, anote já na agenda que dia 2 tem temporada nova de “Borgen”, aquela série dinamarquesa incrível. Voltamos a nos “falar" em breve. Estarei a dezenas de milhares de quilômetros de Curitiba, em busca de dúzias de histórias e horizontes. Como dizia a fashionista Diana Vreeland: "O olhar precisa viajar”. Fique bem e até já.
🇬🇧 Welcome to newsletter #12. A dozen. Strange number, which exists because it is one of the simplest ways for humans to group loose items into a larger unit. Look at your hand and see that each of the four fingers is divided into three parts (phalanges). With your thumb, you count each of these parts until your hand is full. The dozen is born. I find the dozen much more charming than the tens, all logical and methodical, which must have been a Roman invention, with their X, V, C, L, etc.
I live a duel between the tens and the dozens. An astrologer friend says it is a clash between Capricorn – my birth sign – and Aquarius, my ascendant. I carry traces of both, often incompatible. In my mind, I wish I were an Aquarian dozen. That would translate into a house full of piled-up books, a cat on the couch, candles dripping paraffin on the tables and jazz playing on the radio. However, I open my eyes and see the Capricorn ten, with my T-shirts color-coded in the closet, books in alphabetical order and a compulsion to keep the couch perfectly lined with the rug.
I spend energy in house chores and in financial spreadsheets – numbers are very Capricorn – that when it comes to being creative I'm tired. I heard a Canadian author say that “you either have a tidy house or you write”. I deny myself the pleasure of writing by taking refuge in housekeeping. I tried to put the two together. I made a spreadsheet with only interesting words to use in texts, like funambule, ubiquitous and catharsis. I also opened a file with characters I create while washing the dishes. But neither the words nor the characters speak to each other. I can't put it all together into an interesting soup. They are more like ingredients in the pantry, with no expiration date.
One of the characters on the spreadsheet is my first boyfriend, a manipulative Arab I met in college. He caught my attention because he was always in a corner with a book in his hand. He read plays by Ionesco. I found it thought-provoking. One day we met at a pub and started drinking beer. When I went to the bathroom, he followed me. He gave me a scare and a kiss on the mouth. The next day he tried to commit suicide. When he came back from the hospital, I took on the role of nurse and psychologist to win him over. He made fun of my accent, and treated me condescendingly, a total dickhead. I was so in love I didn't even notice.
The hospital sent an invoice for 300 francs. He asked me to forge the receipt and, in a miracle of multiplication, with a touch of a typewriter, I created 3000 francs, which he asked his brother to wire. With the 2700 francs, we went to Lucerne for a weekend. We stayed in a 5-star hotel facing the lake because he wouldn't admit anything lower. He gave me a Hermès shirt. That shirt was shredded into several dozen pieces months later when I woke up to find I'd hooked up with a 1990s Tinder swindler. Instead of a financial hole, I fell into an emotional one.
That same character made me trade a one-year internship in the US for a six-month one just to prove that I liked him and would stick around. He also demanded attention, which I dispensed in daily letters, intercontinental trips every 40 days and a constant state of depression, after all, how could I possibly be happy away from him?
Gruyères | Switzerland | July 2021
Looking back, I feel like a fool. But one can't live in retrospect. That's what I tell my heart, stricken to this day. I feel it when I start crying watching romantic movies, like "A Perfect Pairing". I also saw “Toscana” and “Devotion" to soothe my soul and illustrate to myself that loving is ok. These same feelings also arose while reading "This too shall pass", by Milena Busquets, "La Buena Suerte", by Rosa Montero and even “Le Jeune Homme”, by Annie Ernaux, although Ernaux had affair with a guy 30 years her junior so she could write about it.
Since this autofiction has morphed into cultural recommendations, I follow suit with: the series “Anatomy of a Scandal” and the Ezra Klein podcast with the poet Ada Limón. Another book is "Assembly", by Natasha Brown, the story of an Englishwoman who feels like a foreigner in her own country. "Borgen", the famous Danish series is also coming to Brazil very soon (June 2nd), so keep your Netflix subscription for another month. We'll talk again soon. I'll be tens of thousands of kilometers from Brazil, looking for a dozen new stories and horizons. As fashionista Diana Vreeland said: "the eye has to travel". Be well and see you soon.
For English, please scroll down to the British flag and Italic text. Thanks! If you haven't subscribed yet, please do so down here:
Consegue me achar? | Can you find me?
🇧🇷 Passei a adolescência sofrendo escondido, torcendo para que meus gestos e olhares não me entregassem. Tinha a certeza de que a vida seria muito melhor numa cidade grande, longe, onde ninguém soubesse quem eu era. Com dezenove anos consegui sair de casa. O temor paterno de que virasse um jornalista comunista – estudava Comuniação Social na UFPR – foi maior do que o de soltar o filho no mundo. Contudo, ao invés de trocar Curitiba por Nova York ou Paris, me enfiei num vilarejo de menos de 20 mil habitantes no interior da Suíça para estudar Hotelaria. Não era 100% o que eu queria, mas era o que deu certo fazer. Era longe e ninguém me conhecia.
Se chegasse incólume ao fim do curso, teria uma brilhante carreira em uma rede de hotéis. Iria viver no Cairo ou em Bora Bora e não precisaria voltar para o Brasil nunca mais. Muito menos para a casa dos meus pais e à tirania do armário. Um dia, quem sabe, eu até pudesse sair do armário. Mas naquela época me dava muito pavor pensar no assunto. Era melhor em esconder o meu segredo do que nas provas de gastronomia ou enologia. Jurava driblar o mundo. Me dedicava às aulas de arrumar mesas de restaurantes três estrelas, a descascar banana com garfo e faca e a diferenciar taças de Bordeaux das de Beaujolais. Escolhi ioga ao invés de basquete. #meenganaqueeugosto seria a hashtag da época.
A vida no vilarejo era interessante. Eu não podia acreditar que morava a menos de 6 horas de trem de Paris. Um dia viveria na França. O cenário era bastante bucólico, com fazendinhas, vacas, montanhas e dois supermercados que vendiam suas próprias marcas, o Migros e a Coop. Tudo com a mesma logo e com as embalagens recheadas de ordens em alemão, francês e italiano em fonte Helvética. Tinha um cinema com filmes dublados em francês e uma pequena livraria, onde eu comprava livros de bolso do Paul Auster e CDs da Madonna.
Dividia o quarto com um colega holandês. Descobri o quão jacú eu já no primeiro dia de aula. Vi a mala dele no canto do quarto antes de vê-lo. Olhei na etiqueta para saber o nome do cara com quem dividiria minha vida ali no dormitório e só cosegui ler Den Haag, na Holanda. Maravilha, pensei. Vou me deliciar com o tamanho do cara. Quando Rogier, um menino asiático entrou no quarto, falei que ali já tinha alguém, que ele deveria estar enganado. Foi quando ele se apresentou, falou que aquela mala era dele, que ele vinha de Netherlands. Seria essa Netherlands perto do Vietnã? Aprendi ali na hora que Holanda é Netherlands e que uma de suas colonias foi a Indonésia, país de origem dos ancestrais de meu room mate. #cancelavicente seria outra hashtag.
Rogier e eu tomando café da manhã no quarto, parte do treinamento dos nossos colegas em Room Service | Rogier and I having room service breakfast to help our colleagues train for In Room Dining
As regras na escola eram rigidíssimas. Horários eram cumpridos milimetricamente. Às dez da noite as luzes se apagavam. Homens e mulheres dormiam em áreas separadas e invioláveis. O diretor fazia vistoria em nossos armários atrás de drogas e camisas mal dobradas, isso no meio da madrugada, junto como seu golden retriever que soltava pelos por tudo. Um colega venezuelano foi expulso na segunda semana de aulas porque se recusou a cortar o cabelo curto, como no manual de estilo. Tive que aprender a fazer nós de gravata variados. Me barbeava todos os dias. Jantávamos às seis da tarde quando ainda era dia e vivíamos com fome.
Contudo, a certeza de que aquela escola nos lançaria alto em carreiras promissoras fazia tudo aquilo valer à pena. Lembrei dessas histórias agora pois estou arrumando a mala para meu segundo retiro de meditação Vipassana. Quando essa newsletter chegar já vou estar de olhos fechados e em silêncio no interior de São Paulo. Vou dividir o quarto com duas pessoas, vou comer no refeitório e meditar cerca de 8 horas por dia sem dar um pio. Ali há regras rígidas também. Nada de livros, cadernos, celulares, rezas. Masturbação e conversa são impossíveis. Devemos desviar de formigas e jogar para fora do quarto, vivas, as aranhas e outros insetos que se atreverem a entrar. Gosto do desafio, gosto da rigidez. Além de ser uma experiência fenomenal. A promessa de sair de lá com a mente tranquila e em paz com as nossas contradições e imperfeições é atraente. Há sempre fila de espera para esses retiros.
Medo tenho sim. Medo de ficar louco, de desistir no meio, dos sonhos vívidos que brotam na madrugada, ou de não querer mais voltar a falar depois dos dez dias. Então fique de olho na próxima newsletter no meio de maio. Se não chegar, é porque atingi nirvana.
ps: escrevi sobre minha experiência anterior de Vipassana, em 2019, aqui.
Estava completamente exausto neste dia de almoço especial de outuno onde pegamos galhos da floresta que estavam com cheiro de xixi de veado | I was completely exhausted this day of our special Autumn lunch where we collected leaves from the forest infested of dear urine.
🇬🇧 I spent my teenage years suffering in hiding, hoping that my gestures and looks wouldn't give me away. I was sure that life would be much better in a big city, far away, where no one knew who I was. At nineteen I managed to leave home. My father's fear that I would become a communist journalist – I was studying Communication – was greater than that of releasing his son into the world. However, instead of exchanging Curitiba for New York or Paris, I went to a village of less than 20.000 inhabitants in the Swiss countryside to study Hospitality. It wasn't 100% what I wanted, but it was the right thing to do. It was far away and no one knew me.
If I reached the end of the course unscathed, I would have a brilliant career in a hotel chain. I would live in Cairo or Bora Bora and never have to return to Brazil again. Much less to my parents' house and the tyranny of the closet. One day, who knows, I might even come out of the closet. But at that time I was terrified to even think about it. I was better at hiding my secret than at tastings of gastronomy or oenology. I devoted myself to classes on setting tables in three-star restaurants, peeling bananas with a knife and fork, and differentiating Bordeaux glasses from Beaujolais glasses. I chose yoga over basketball.
Village life was interesting. I couldn't believe I lived less than six hours by train from Paris. One day I would live in France. The setting was quite bucolic, with small farms, cows, mountains and two supermarkets that sold their own brands, Migros and Coop. All with the same logo and packaging filled with orders in German, French and Italian in Helvetica font. There was a movie theater with movies dubbed in French and a small bookstore where I bought Paul Auster paperbacks and Madonna CDs.
I shared a room with a Dutch colleague. I found out how uninformed I was on the first day of class. I saw his suitcase before I saw him. I looked at the tag to find the name of the guy I would share my life with in the dorm and I could only read Den Haag, in Holland. Wonderful, I thought. I'll be delighted with the size of the guy. When Rogier, an Asian boy, entered the room, I said that there was already someone there, that he must be mistaken. That's when he introduced himself, said that that suitcase was his, that he came from the Netherlands. Could this be the Netherlands near Vietnam? I learned right there that Holland is Netherlands and that one of its colonies was Indonesia, the country of origin of my roommate's ancestors.
The rules at school were very rigid. Timetables were strictly adhered to. At ten o'clock the lights went out. Men and women slept in separate, inviolable areas. The director would search our lockers for drugs and badly folded shirts in the middle of the night, along with his golden retriever who shed hair all over our wardrobes. A fellow Venezuelan was expelled in the second week of classes because he refused to cut his hair short, as in the style manual. I had to learn how to tie different tie knots. I shaved every day. We had dinner at six in the afternoon when it was still daylight and we were always hungry.
Congestionamento no interior da Suíça | Swiss countryside traffic-jam
However, the certainty that the school would launch us high into promising careers made it all worth it. I remember these stories now as I am packing for my second Vipassana meditation retreat. I'm going to spend ten days in silence in the countryside of São Paulo, sharing a room with two people, eating in the cafeteria and meditating for about 8 hours a day without a single peep. There are strict rules there too. No books, notebooks, cell phones, prayers. Masturbation and conversation are impossible. We must dodge ants and throw out of the room, alive, the spiders and other insects that dare to get in. I like the challenge, I like the rigidity. As well as being a phenomenal experience. The promise of leaving there with a clear mind and at peace with our contradictions and imperfections is appealing. There is always a waitlist for these retreats.
I'm afraid, for sure. Afraid of going crazy, of giving up in the middle, of the vivid dreams that spring up at dawn, or of not wanting to talk again after ten days. So keep an eye out for the next newsletter in mid-May. If it doesn’t show up in your inbox, it's because I've reached Nirvana.
Nesses dias de quarentena uma coisa que tem me ajudado muito é a meditação. Medito de manhã cedo, antes de sair do quarto e de ligar o celular, e antes de ir dormir. Vinte minutos cada vez. Aumento 1 minuto a cada dois dias. Olhos fechados, costas eretas, sentado num colchonete ao lado da cama. Presto atenção na respiração, na temperatura do corpo, no barulho do coração. Dura 2 segundos. Às vezes uns 4. Depois, durante vários minutos a mente vai para longe, disparada entre notícias, desejos, planos, medos, angústias e trabalho. Volto a prestar atenção na respiração por alguns segundos… e assim vou. Com divagações e concentração consigo somar uns 20 segundos de meditação pura nos 20 minutos em que fico sentado.
Aprendi a meditar num retiro Vipassana, no Dhamma Sarana, no interior de São Paulo. Foram 10 dias de silêncio completo, sem livros, celular, caderno de notas, nada. Só eu, minha respiração e as várias sessões de meditação numa grande sala com outras 100 pessoas. Foi o melhor preparo para essa quarentena sem fim.
Tem gente que diz que enlouqueceria se ficasse 10 dias desconectado do mundo. Eu acho enlouquecedor ficar conectado em tempo integral. Lá no retiro, cada dia era um dia. Alguns passaram voando, afinal, tínhamos uma agenda cheia de meditações intercaladas com refeições e descanso. Mas teve outros, não tão frequentes, em que deu um certo desconforto/desespero de ver o tempo passar tão devagar, de ainda faltar tanto tempo para aquilo acabar.
Para fazer um retiro Vipassana a única coisa de que alguém precisa é vontade, e talvez um pouco de preparo físico para fortalecer o abdômen e os músculos das costas. O trato é simples, você se abstém de substâncias intoxicantes (inclusive cerveja/vinho), de comer carne, de matar (inclusive formigas e pernilongos), de mentir e de fazer sexo durante o curso. A separação entre homens e mulheres é total. Você também se compromete a seguir as regras do lugar, de fazer todas as meditações e de manter o silêncio sagrado. Não precisa pagar nada. A contribuição cada um dá o quanto pode depois que o curso acaba. Em troca você ganha uma cirurgia na mente, que vai lá no fundo para ajudar a cessar os ciclos de sofrimento. Soa simples, não?
As sessões de meditação duram cerca de uma hora. Eram várias por dia. Acordávamos com um gongo às 04h30 e íamos dormir às 21h30. Até o fim do terceiro dia praticamos Anapana, que serve para afiar/treinar a mente. O único objetivo durante as oito horas de olhos fechados é prestar atenção no ar que entra e sai das narinas. Coça? Dá calorzinho nos lábios? Entra pela narina esquerda? Sai pela direita? Marque todas as alternativas.
Certas horas achava tudo aquilo uma loucura. Tinha raiva da voz que dava as instruções, não entendia porque a professora ficava ali, parada, sem fazer nada. Só meditando. Mas aos poucos tudo vai se encaixando. Todas as noites tem uma palestra que explica cada passo dado e avisa o que é esperado de nós no dia seguinte. Durante a noite os sonhos são incríveis, vívidos e a gente não sabe se está acordado ou dormindo. É a mente trabalhando.
A cada dia de silêncio e de meditação no meio de uma floresta verdejante, as cores vão ficando mais intensas, os barulhos dos bichos tendo mais significados. A falta de fala aguça o ouvido para outros sons. Até a chuva parece conversar com você. A partir do quarto dia começam as sessões de uma hora de meditação Vipassana propriamente dita. Durante essa hora, não é permitido se mover. É uma hora estática, apenas com a respiração e a percepção de sensações pelo corpo. No primeiro dia em que fiquei assim, parecida que haviam enfiado uma espada nas minhas costelas.
Dói? Sim. Tem horas que dói bastante, mas passa. Tem desconforto? Sim, mas passa. Tem horas boas, sim, mas também passam. Tudo passa. Tudo é impermanente. Faz calor, depois faz frio. Você fica triste, depois feliz. Não é nada diferente do que a vida. E para mim o principal ensinamento é esse: tudo passa, tanto o que é bom quanto o que é ruim. Viver focado no presente é a única forma de não sofrer com o que é ruim ou com o medo de perder o que é bom. Desapego é outra palavra que se ouve bastante. Outra frase repetida infinitamente e que vira um mantra para a vida é “comece novamente”.
A comida é bem gostosa, vegetariana com queijo e leite. Nos primeiros dias eu comi bastante, com medo de passar fome, afinal a última refeição do dia é às 17h, duas frutas e um chá. Mas depois me acostumei e ia para o café da manhã feliz da vida. A cada dia o almoço trazia surpresas deliciosas como quibe de abóbora, batata gratinada, suflê, sobremesas feitas em casa. Os quartos também eram bons. Simples e funcionais, com uma cama e um beliche. O dormitório feminino, ouvi dizer, era maior, com vários beliches. Mas o lado feminino tem um riozinho, enquanto o masculino tem uma trilha pelo morro onde abracei árvores, andei chorando e pedi consolo à natureza.
Concordo que tal retiro não é para todos, mas recomendo para qualquer pessoa curiosa e que esteja em busca de uma ferramenta comprovada para atenuar as angústias da vida. Encontrar-se consigo mesmo pode parecer algo banal, mas é um dos encontros mais importantes que você pode ter na vida. Sou alguém mais completo e satisfeito com a minha depois de experimentar Vipassana, que dizem vir direto dos ensinamentos do Buda.
Para maiores informações, visite www.dhamma.org que tem a data de todos os cursos no mundo. No Brasil há dois grandes centros, um perto de São Paulo e outro perto do Rio. Há também centros menores em Brasília, Nordeste e Curitiba.
Mais:
Meus primeiros passos na meditação foram dois. Um amigo recomendou o aplicativo Headspace e assisti a uma palestra na Grande Escola que me colocou no grupo do Facebook “Já meditou?”.
Minha curiosidade pela Vipassana se aguçou depois de ler um texto da jornalista Eliane Brum, que fez o curso e descreve muito bem as sensações, as ansiedades e as dores. O texto faz parte do livro "O Olho da Rua", mas também pode ser acessado neste link da revista Época https://glo.bo/344zP1E
Se você digitar Meditação Vipassana no YouTube, vai ver vários depoimentos e palestras do TED sobre o assunto.
Depois que decidi fazer o curso, cada livro que lia alguém falava em Vipassana. Os que de que mais gostei foram "A Fortunte Teller told Me", de Tiziano Terzani e "21 Lições para o Século 21", de Yuval Harari.
Já fui ao Dhamma Sarana, em São Paulo, duas vezes. Uma como aluno e outra como servidor. Recomendo os dois, já que são aprendizados bem diferentes.
Uma dica para ir de leve é baixar o mp3 da mini-Anapana no site www.dhamma.org, que dura uns 12 minutos e é guiado pelo Goenka, quem reavivou a Vipassana dos mosteiros da Birmânia. É a voz do Goenka que guia todos os alunos nos dez dias do curso.